28 de maio de 2009

Ékstasis

O homem-cédula com o remoto controle na mão
sentado diante da tevê
te vê na ‘Grobo’
Caipira pira pora
nossa senhora está morta nos canos de descarga
nas bocas de esgoto
na sujeira e no contentamento fingido das cidades
os bolsos da burguesia estão lotados de árvores
de petróleo
de neoescravidão
sua barriga de gordura
sua mente de infâmia
e nós esperaremos ansiosos
até que suas artérias estejam entupidas por moedas de um centavo
e seu peito lotado de infarto.

For mar: lixo
for men: nem isso
é como se não tivesse sido
- Os Orixás assassinados pela Palavra pronunciada nos palanques -
olho por olho dente por dente e um rim por vinte e cinco mil
já não basta estarmos cegos e desdentados...
Nem cem camisas de força impediriam os braços do mundo
para um avião que cai não adianta paraquedas
Nós corremos já sem saber pra onde
e já não temos pernas
nem braços
e mesmo assim nossas mãos brincam com o Acaso
e nossos pés fogem do ocaso do mundo
- de nós mesmos -
e na fuga só tomamos uma bifurcação do caminho
e meia dúzia de êxtase para esquecermos as leis teleológicas
esquecemos de tudo e esquecemos tanto
que daqui a pouco esqueceremos de esquecer.

19 de maio de 2009

A morte de Boitatá e do povo de cá

Boitatá é cobra de fogo
Fogo que não se apaga no mar
Espantando navios mercantes
E não deixando a floresta queimar.

Cresce, cresce, cresce
Cresce, cresce Boitatá
Cresce apagando as chamas
Que matam as matas de cá.

Eis que surgem viajantes
Que vieram das bandas de lá
E ao chegarem em nossa casa
Mandaram matar boitatá.

Morre, morre, morre
Morre, morre Boitatá
Morre pelos viajantes
Que vieram das bandas de lá.

Uma hora dessas era pra Boitatá
Estar do tamanho do mundo
Aqui na terra do Inferno Verde
O ser humano tá queimando tudo.

Mas boitatá tá morto e enterrado
Na memória dos meus ancestrais
E não há mais quem proteja a gente
Dos navios que chegam no cais.

E os navios só encontram gente
Gente como a das bandas de lá
Nem parece a de antigamente
Que nasceu nas bandas de cá.

O nosso povo virou a casaca
Nem parece das bandas de cá
O nosso povo tá virando gente
Como as gentes das bandas de lá.

13 de maio de 2009

Sinal Vermelho

Trintêcinco segundos
Pra pensar na vida
é o tempo que a vida me dá.

Não dá.

Um menino que mal perdeu o
desengoçar dos treze anos
bate no vidro:

- O tio hoje não quer jornal.

Ele veste uma camisa de escola
particular toda surrada, mas
Nem deve saber ler.

Ele, caso soubesse, teria uma pitada a mais
de ilusão na vida bandida, mas
Nem deve saber disso.

Vende fabulações a gosto do cliente,
sempre mais ou menos vagabundas
e com cara de játevi,
alteram, apenas, protagonistas entre
leões, Lagos, Palácios, Castelos
e Guerreiras.


Paulo César di Linharez


7 de maio de 2009

Mais um grito revoltado - Desdém

Essas casinhas sem reboco

É onde habitam meus irmãos

Que amontoam-se em montes ocos

De indiferença e solidão.

Renegados, num mundo marginal

- a capital está na floresta

ou a floresta na capital? –

Meu povo franze a testa

Preocupado com o céu que cai do céu.

- Enquanto aqui pessoas morrem

Lá no Rio dançam “créu”. –

Agora, dor meu povo sente

E o sul/sudeste esquecem

Que Aqui, no Nordeste, também tem gente.

3 de maio de 2009