29 de abril de 2009

Culinária local

Tempo estranho
De nuvens plúmbeas.

- O céu vai desabar...

O suspiro faz-se ouvir
E ocas batidas nos telhados
Também.

É a chuva pela qual rezam lá na caatinga...
E ela vem, vem enchendo rio
E o que não é rio.

Vem lavando o barro
E levando as almas
Das casas.

Sessenta mil vítimas
Não foram suficientes
Para acordar
O Brasil dormente.

Esse era o ingrediente final
Da desgraçada receita
De vida maranhense.
E o Brasil,
Simplesmente,
Ignora a culinária de nossa gente.

25 de abril de 2009

Questão de posse

A muralha intempericamente descascada
prenuncia a podridão que resguarda -
os carcomidos persistem.

O bloqueio da rampa de acesso pelo
festejo da nova velha corja pouco interfere quem, lá embaixo,
não tem razão para celebrar.

Pela cena seguem caminhantes que
se prestam a murmurar...
- Onde enfiaram a soberania popular?

Os leões do Palácio já não fazem caso.
Agora, pouco importa:
novamente são donos do mar.

di Linharez.

19 de abril de 2009

Sê vivo

Aos brailes,
O método:
dormência do tato.
E de nada saberás
- Só o que ouve dizer!

16 de abril de 2009

Morte em noite da Guajajaras

Pés gélidos
Sobre calçada
de sol forte
Suor
a escorrer
na fronte.
Meio-dia:
Há fome?... Há fome
Há pobreza, miséria
Há doença, dor.

Pés gélidos
Sobre calçada
de sangue
Espalhado, esparramado
Desperdiçado.
Meia-noite:
Socorro? Desdém...
Resultado: estatística.
Lembrança? Morreu também.

Rômulo Pacheco.

1 de abril de 2009

Uma homenagem a um Salvador.

Às vezes esqueço
Que sou branco
E possuo os cabelos lisos.

Minto ser negro.
Não sou.
É vontade de ser.
Vontade de ter pelo o que lutar.

Luto
De luto
Pelos milhares de escravos
Pelas milhares de mortes
Pelo inexprimível sofrimento
Da minha raça irmã
Da raça do meu Irmão
Que é a mesma raça minha
A raça Humana.

Luto carregando a culpa dos meus antepassados
Em meus ombros.
Luto pela igualdade destruída,
Anulada
Pela brancura da pele
E ferrugem do sorriso.

É vontade de ser.
De ser
Grande.
De ser
Conhecimento.

Vontade de ser como
O maior homem que conheci:
Era um grande homem grande negro
Que iluminou meus passos
No caminho mais obscuro
Mais tortuoso
Pelo crescimento intrínseco
Invisível
Íntimo.
Negro espelho onde me espelhei.
Negra seria minha sombra num dia de sol,
Mas sou eu a sombra dele,
Mesmo na noite.

O negro que mede dois metros e dois
E, contudo, tem um tamanho,
Bem possivelmente, infinito.
Infinito.


Paulo César Corrêa di Linharez,
Entende o inefável carinho que tenho por ti
E com carinho guarde as palavras que a ti dirijo.
Pois se hoje sou pequeno
Foi porque ao teu lado já muito cresci.
Obrigado.


Solitude.