27 de julho de 2009

A Vida de Esther - O Nascimento



Aos que vivem seus dias de forma igual, aos que esperam o amanhã, aos que apenas vivem, a eles dedico esta história.

Tudo aquilo que buscamos está escondido em cada um de nossos desejos, ocultos, opacos. Poucos são aqueles que desejam de forma clara, que sabem o que buscam e seguem em frente, à procura. Coube a ela, oculta no nome, estrela em vida, mostrar aos seus que ninguém era dela, pois a ela só pertencia o agora.

Esta é a vida de Esther.

Nasceu coroada, sob os olhares daqueles que viriam cultuá-la. Nasceu já incomodada com a atenção que lhe era ofertada, mesmo por tão pouco. "Como é linda, a pequena Esther!", alguém dizia. Seus olhos azuis, de soberba celestialidade, roubavam exclamações unânimes. O fascínio que a pele rosada e aquele par de céus-enormes-redondos causavam era justificado apenas pela necessidade daquelas pessoas de esquecerem seus próprios defeitos e apegarem-se àquilo que poderiam ser. Mas Esther sabia que o que elas esqueciam era, na verdade, de suas próprias qualidades, daquilo que as diferenciava e as tornavam únicas e, por que não, igualmente invejáveis. É engraçado – e ao mesmo tempo triste – como, na vida, tanto tempo é dedicado a aplaudir o espetáculo alheio, esquecendo-se do próprio show. As vidas passam coadjuvando a arte de outros tantos coadjuvantes. Sem o artista não há show! Não há Oscar! E alguém tem que reinar.

Embora coroada, Esther nunca quis ser rainha. Jamais suportou a falsa simpatia de seus amigos de oportuna-hora, muito menos a pomposa inveja de quem lhe parecia menor. Percebeu desde muito cedo que sorrir já significa agradar, não mais agradar-se.

Todo pequeno sinal que pode ser captado no dia-a-dia acaba por construir aquilo que os homens são, aquilo que os ergue e fortalece, ainda que, vagarosamente, aconteçam esses processos. Não dar valor ao tato, não sentir cada pequena fragrância, não ouvir cada bom-dia e não responder ao cumprimento, tudo isso faz com que a vida seja um passeio displicente pelo parque no caminho de ida e volta da escola. É um caminhar cabisbaixo pela irresponsável maneira como os homens conduzem seu fado, como se deixam ser conduzidos.

O primeiro sinal que Esther percebeu - talvez não na ocasião, mas com certeza no decorrer de sua vida - foi que a dor significa estar vivo. É preciso experimentar a dor, é necessário chorar para que os pulmões encham-se com o ar da existência, para sorrir, depois caminhar, correr, pular e, então, cair e chorar novamente e, assim, se reabastecer deste ar. É necessário conhecer o céu e o inferno para ter certeza de que o céu é melhor. Sem a dor não há o gosto - dormente se fica a ponto de furar os próprios olhos e nem sequer perceber como parou de ver.

O que muitos não sabem é que conhecer a dor não significa querer encontrá-la. Dizem que a melhor forma de encontrar algo do qual se passará a vida fugindo é evitando-o. E assim Esther conduziu seus passos. Andou em caminhos que eram ditos seguros, que sabia que a levaria para o leito calmo de um rio, não para um precipício. O balé é um desses caminhos. Leve, suave, delicado. Até as quedas são parecidas com a queda de uma pena ao vento. Então Esther se perguntou:

- Como sinto meu coração?

A sensação do colidir, o pulso acelerado, a boca tentando silenciar a pulsação. Nenhum desses prazeres pode ser encontrado fugindo da dor. É preciso encará-la de fato, ir à sua caça. "Estás louco!", diria ela se pudesse me ouvir. O que ela ainda não compreendia era o espaço que nos separa de nossos medos: ir atrás da dor não significa cumprimentá-la.

Voe, pequena Esther. Esqueça o rio, corra ao precipício. Abra os braços, sinta o vento e o coração bater. Não é o medo de cair: é o estar vivo. Descalce a sapatilha e sinta a terra entre os dedos. Adoeça, chore, quebre a cara, mas, antes, tente! Tente ir atrás do outro lado, da recompensa. Acabe no inferno, buscando o céu, mas não espere que ele desabe buscando você.

E assim nasceu Esther: banhada com o ouro pesado das aparências para purificar-se depois. O homem nasce defeituoso e a vida o conserta. Ou não...

3 comentários:

Jéssica Mendes disse...

Eu já tinha lido. :B

Mellina disse...

sim, é o estar vivo.

Natália Dino disse...

Devo dizer que adorei e passarei a acompanhar, assídua, nervosa e inxirida a vida de Esther.